Estava a ler uma breve
notícia sobre o caso Eliza Samudio, no site da Zero Hora, que informa a
negativa do pedido de habeas corpus –
por parte do STF – ao acusado Bruno, ex-goleiro do Flamengo, e verifiquei que a
ação penal lhe imputa os crimes de homicídio qualificado, sequestro, cárcere
privado e ocultação do cadáver. Ainda, ao final da notícia, menciona-se que “o
corpo de Eliza nunca foi encontrado”. Lembrei de um artigo que escrevi à época
do desaparecimento da vítima, em que concluía não me espantar caso a denúncia não
mencionasse o homicídio pela falta de um dos elementos fundamentais deste tipo
de crime: a materialidade.
O homicídio, de acordo com
o que preceitua o art. 121 do Código Penal, consiste em “matar alguém”. Simples
assim. Matar, ou tirar a vida de outrem, carece do resultado “morte”. Não
havendo o resultado morte, estaremos diante de uma tentativa de homicídio –
desde que o agente tenha o desígnio de matar. Portanto, o crime de homicídio é
um crime material, carecendo do resultado naturalístico para se configurar. Sem
a morte, não teremos homicídio.
No raciocínio que segue o
parágrafo anterior, para que eu possa acusar alguém por homicídio, deve-se
comprovar, primeiramente, o falecimento da vítima, o que, no “caso Eliza
Samudio”, não ocorrera. Isto porque a comprovação da morte se dá pelo “corpo de
delito”, sendo que, no caso em estudo, tal corpo
nem se quer fora encontrado. Ao tratar do assunto, assim se manifesta Capez: o
corpo de delito “é o meio de prova pelo qual é possível a constatação da
materialidade do delito. É certo que nem mesmo a confissão do acusado da
prática delitiva é prova por si só idônea a suprir a ausência do corpo de
delito”. Essa é a prescrição do art. 158, do Código de Processo Penal.
A única hipótese em que o
corpo de delito é dispensável ocorre quando não há vestígios de sua existência,
o que poderá – aí sim – ser aplicado ao caso concreto analisado, e desde que haja
idônea prova testemunhal, analisado o conjunto comprobatório que corrobore a
existência do crime.
Um tanto quanto perigosa,
portanto, a imputação deste crime ao ex-goleiro Bruno, sobretudo se lembrarmos
do caso dos irmãos Naves: o maior erro judiciário de nosso país. Os irmãos
foram torturados até confessar o crime de homicídio contra Benedito Pereira
Caetano, que em verdade, havia fugido por conta de não ter condições de honrar
uma alta dívida. Os Naves foram condenados e presos, e quase ao fim do
cumprimento da pena aplicada, a vítima retornara ao país, “vivinha da silva”.
É neste ínterim que, à
época do caso Eliza Samudio, já afirmava, sobretudo depois da elucidação de meu
amigo Jairo Alberto Valer, Sargento da Brigada Militar, que não me espantaria
se Bruno fosse acusado tão somente pelo cárcere privado. É claro que o
Ministério Público, diante da repercussão nacional do caso, e dos diversos
elementos da trama, não perde em nada na acusação pelo homicídio, forte nos
indícios verificados. Mas somente a justiça, depois do devido processo legal,
contraditório, ampla defesa e demais princípios basilares do processo judiciário,
poderá dizer-nos da existência ou não do homicídio.
Entretanto, há de ressaltarem-se
as palavras do pai do Direito Penal Brasileiro, Nelson Hungria, para quem “condenar
um possível deliquente é condenar um
possível inocente”. Diante apenas de “possibilidades”, mister a aplicação de um
dos basilares princípios jurídicos: “in
dubio, pro rei” (na duvida, favoreça e o réu). Cabe ao Poder Judiciário
desvendar o mistério.