domingo, 22 de janeiro de 2012

Estupro de vulnerável no BBB

Um dos temas centrais das rodas de conversa no Brasil nos últimos dias refere-se à possível configuração de estupro dentro da casa onde ocorre o reality show Big Brother Brasil, da Rede Globo, provocado pelo modelo Daniel contra a estudante Monique, depois de divrtirem-se uma festa. Mesmo eu, que não acompanho o programa – e confesso que até repudio –, não pude deixar de dar um “pitaco” diante de tamanha polêmica.

O fato é que, pelo que se tem lido, e pelo que se viu no vídeo publicado na internet (e logo retirado), Daniel se aproveitara da situação de embriaguez de Monique mantendo relação sexual com a mesma. Consentida?, não sei. Ao que parece, não, até mesmo pela declaração de Monique, afirmando não lembrar-se de ter ocorrido relação sexual, a não ser que tenha sido enquanto ela dormia. Interesses publicitários e o intuito de se evitarem escândalos maiores podem resultar em uma eterna incerteza.

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Ao falarmos em estupro, temos de atentar para os elementos que o configuram e, se realmente estão presentes no caso concreto. Tais elementos, pela leitura do art. 213 do Código Penal, são (a) a violência ou a grave ameaça, e (b) o constrangimento a manter conjunção carnal, ou outro ato libidinoso, sem que a vítima consinta para tanto. Em análise ao ocorrido no BBB, não há que se falar em estupro propriamente dito, pois não houve constrangimento mediante violência ou grave ameaça. Mesmo a conjunção carnal – ou outro ato libidinoso – não foram devidamente comprovados (pelo menos ainda não). É claro que ninguém é bobo, e consegue-se verificar que, se não houve a cópula vagínica, algum ato libidinoso ocorrera, sempre levando em conta o seu amplo significado, segundo preceitua o jurista Capez: “ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido”. Isto inclui, e ainda analisando as posições de Capez, o fato de a vítima ser constrangida a deixar que o autor apalpe seus peitos, por exemplo. De qualquer forma, reitero que não houve estupro por não ter ocorrido o constrangimento mediante violência ou grave ameaça.

Então quer dizer que, mesmo comprovada a prática de ato libidinoso (ou mesmo a conjunção carnal), simplesmente por não ter havido violência ou grave ameaça, ficaria o agente impune? A resposta é negativa. O Código Penal, graças a acréscimos realizados pela Lei n. 12.015 de 2009, prevê configuração de crime na decorrência de violência ficta, aquela que não é real, mas que por determinados elementos, pode se configurar.

A violência ficta é a que se verifica no crime previsto no art. 217-A do Código Penal, acrescentado pela citada lei: o crime de “estupro de vulnerável”. Preceitua o caput do referido artigo: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”. Neste caso, dispensa-se a caracterização da violência ou da grave ameaça, bastando a realização do ato sexual, e desde que a vítima seja menor de 14 anos de idade. Voltado ao caso concreto, não se aplica, visto que a vítima no BBB possui idade superior.

Mas ainda há uma tipificação legal que poderá incriminar o agente – desde que haja o devido processo legal, com devida produção de provas que possam comprovar a existência do fato criminoso, é bom deixar claro. O § 1º do art. 217-A traz a seguinte redação: “Incorre na mesma pena quem pratica ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência” (grifei). É neste ponto grifado que recai a análise para a configuração de um estupro na "casa mais vigiada do país": a vulnerabilidade da vítima.

Tendo em vista que Monique encontrava-se embriagada (bastante embriagada, diga-se de passagem), resta à justiça comprovar o estado de consciência dela, e verificar se ela tinha ou não a possibilidade de oferecer resistência. Capez, ao utilizar a embriaguez como exemplo de situação capaz de eliminar a resistência da vítima, fala em embriaguez completa, e não parcial. De qualquer forma, a análise aprofundada do caso é que dirá se o estupro de vulnerável se configura, não se esquecendo de que deve ser provada, também, a ocorrência ou não do ato libidinoso, ou da conjunção carnal. O que releva é que, há tipificação legal, e poderá Daniel restar penalizado pela justiça.

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O ponto em que quero chegar com tudo isso, independente do desfecho final dessa história, é que chegamos ao ápice da imoralidade e do desrespeito a todos os brasileiros, provocados pelo Big Brother Brasil, que está em sua décima segunda edição, sem menção de chegar ao fim. Há doze anos o Brasil pára para analisarmos as futilidades, as mesquinharias e as “bundas de fora” na tela da televisão. Há doze anos as pessoas dedicam tempo votando para a “eliminação da semana” (o “paredão”), compactuando e julgando atitudes grotescas dos participantes do programa. E neste ano, a promiscuidade chegou a um ponto lamentável, podendo haver, inclusive, a penalização de um dos indivíduos pela prática de “estupro de vulnerável”.

A direção do programa penalizou o acusado com a exclusão do jogo e com isso a impossibilidade de o mesmo tornar-se um novo milionário. Mas deveria ser penalizada também, por tudo de ruim que transmite todos os dias, indo de encontro aos preceitos morais e jurídicos, contrário até mesmo a tudo aquilo que prega. Ora, do que adianta a realização de campanhas contra o alcoolismo se nas festas realizadas na casa todos “enchem a cara” de tal modo que acabam por cometer atos vergonhosos? O assunto das últimas semanas comprova tudo isso. O Brasil inteiro assiste.

Não posso ser hipócrita ao ponto de fazer campanha contra o álcool, pois também faço uso de bebidas alcoólicas. A diferença é que eu não sirvo de exemplo para toda uma nação, ao contrário do BBB, que, assistido pelo Brasil inteiro (exceto por mim e pela Luiza, que está no Canadá), acaba por transmitir as ideias e os atos dos “ídolos” que lá estão. Estou falando de influências, e muitas vezes, negativas. Esta é mais uma. Servirá de aprendizado e de exemplo, é claro. Mas a Monique é quem pagou o pato, conscientemente ou não.