sábado, 16 de julho de 2011

Advogado de porta de cadeia

Certo dia, em uma cafeteria, conversando sobre os planos para o futuro profissional com um amigo, fui questionado sobre a possibilidade de atuar como advogado na esfera criminal. Minha resposta foi positiva, causando espanto em minha companhia. "Mas tu terias coragem de defender um criminoso, cara?!" Minha resposta careceu de devida justificativa e argumentação.

Essa é a ideia que todos tem de um advogado criminal: um cara que defende criminosos, "bandidos". Mas o raciocínio deve se dar sob um prisma jurídico-constitucional, sobretudo quanto aos princípios que norteiam nosso sistema jurídico como um todo. 

Nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LVII, apresenta o princípio da presunção de inocência, contendo a seguinte dicção: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Isto quer dizer que ninguém é criminoso sem que haja um devido processo legal que afirme a prática do crime, e julgue o cidadão culpado. E é papel do advogado representar tal cidadão durante o referido processo, para que o  cidadão tenha a chance de se justificar e de apresentar as devidas provas na busca da verdade dos fatos. Enquanto não findar o processo, o réu é considerado suspeito, mas não culpado. Presume-se que, até que "o juiz bata o martelo", e o declare culpado, seja o suspeito inocente.

Portanto, o advogado não estará defendendo um criminoso, mas sim um suspeito do comentimento de um crime, tendo o mesmo o direito constitucional de defender-se. O advogado criminal, em conclusão, garante o respeito a tal direito: garante o direito de defesa que todo cidadão possui.

O amigo aceitou minhas justificativas, julgou plausível, mas, tomando mais um gole de café, ficou notadamente com o pé atrás. Afinal, vemos diariamente muitas pessoas "acusadas" do cometimento de crimes e que realmente são verdadeiros bandidos, carecendo apenas da sentença final do juiz para termos a absoluta certeza. As provas mostradas são suficientes para que taxemos os acusados de "criminosos". E lá está o advogado, defendendo o cidadão, e garantindo o seu direito constitucional de ser devidamente julgado antes de ser condenado.

O que não podemos é generalizar, e acharmos que pelo fato de um ou outro profissional do direito acabar se corrompendo, todos os demais também o farão. Se um ou outro se confundem com o cliente, suspeito de crime, o mesmo não ocorre com todos. Não podemos visualizar o advogado criminal como sendo o "advogado de porta de cadeia". É claro que eles existem. Mas o profissional do direito, independente de sua área de atuação, merece o devido respeito pela importância da atividade que exerce, na busca do bem estar social, de resguardar os interesses sociais e particulares, e de garantir a satisfação do devido processo legal, passo importante na manutenção da justiça.

Leitura pertinente, em relação às faces da moeda que a profissão juríca - e mais especificamene da área criminal - nos mostra diariamente, é a do autor Michael Connelly, em seu livro cujo título este post homenageia: "Advogado de Porta de Cadeia". Uma visão do quanto importante, arriscada, brilhante, desafiadora e intrigante é a atividade diária de um advogado que busca garantir a liberdade de pessoas acusadas de crimes, seja visando a justiça, seja visando um bolso cheio. O autor nos mostra, através do personagem Mickey Haller, em uma ficção que muito se confunde com a realidade, um pouco do dia-a-dia de tal profissional, dentro do sistema jurídico norte americano. Uma bela leitura, intrigante, que atrai muito a atenção de quem aprecia uma boa trama. Aí vai um trecho da brilhante obra:

Versão em portugês da obra
"Não havia mais nada na lei que eu tratasse com carinho. As noções da faculdade de direito acerca da virtude do sistema adversário, dos controles e equilíbrio do sistema, da busca pela verdade, tinham há longo tempo erodido como os rostos e estátuas de outras civilizações. A lei não tratava da verdade. Tratava da negociação, aperfeiçoamento, manipulação. Eu não lidava com culpa ou inocência, porque todo mundo era culpado. De alguma coisa. Mas isso não importava, porque cada caso que eu assumia era uma casa construída sobre um alicerce infiltrado por operários sobrecarregados e mal pagos. Eles economizavam material. Cometiam erros. E então pintavam sobre os erros com embustes. Meu trabalho era raspar a tinta e encontrar as rachaduras e alargá-las. Torná-las tão grandes que ou a casa vinha abaixo ou, não ocorrendo isso, meu cliente deslizava através delas.

Boa parte da sociedade me via como o demônio, mas estavam errados. Eu era um anjo untuoso. Era o verdadeiro santo da estrada. Era necessitado e desejado. Por ambos os lados. Era o óleo na máquina. Permitia que as engrenagens dessem partida e girassem. Ajudava a manter funcionando a máquina do sistema"